




Por que mais escolas cristãs
podem fechar nos próximos anos?
Há quase vinte anos, escrevi um artigo intitulado: “Não abram mais colégios confessionais”, se as condições relacionadas no texto não puderem ser satisfeitas. Buscava alertar quanto aos cuidados daqueles que intencionavam abri-los e, inclusive, quanto aos colégios existentes. Alguns, na ocasião, acharam a recomendação e os cuidados exagerados, mas, hoje, se evidencia a pertinência dos conselhos.
Há trinta anos, os batistas no Brasil contavam com cerca de cem colégios cristãos em funcionamento, ou seja, colégios ligados às convenções estaduais, associações e igrejas batistas locais. Hoje, há em torno de sessenta em atividade; a maioria, em grande dificuldade financeira e patrimonial. A cada ano, são fechados ou transferidos, em média, três colégios cristãos no Brasil.
Este triste fenômeno não é exclusivo dos batistas. Outros colégios confessionais, como os dos presbiterianos, metodistas, adventistas, luteranos e até católicos estão fechando suas portas. De igual modo, muitas escolas particulares não confessionais também têm encerrado suas atividades. No bairro onde resido, no Rio de Janeiro, quatro pequenas escolas particulares pararam de funcionar, nos dois últimos anos.
Enquanto Diretor Executivo da ANEB (Associação Nacional de Escolas Batistas) visitei cerca de trinta instituições educacionais batistas no Brasil e assessorei diretamente a dez delas. Para algumas escolas, o fechamento honroso (às vezes, traumático), a venda ou a transferência (às vezes, em troca da dívida) para outro mantenedor comprovadamente com mais recursos foram as soluções adotadas e o seriam para outras ainda abertas. Entretanto, para muitas delas, um corajoso reordenamento administrativo e financeiro e um investimento em melhorias patrimoniais e pedagógicas as ajudariam a superar suas dificuldades e até a crescer.
O que está acontecendo? Quais as razões que justificam este quadro de declínio? A maioria das razões que explicam o fenômeno é sentida por todas as escolas particulares, sejam elas confessionais ou não, sem ou com fins lucrativos. Outras razões são específicas de cada realidade social, econômica, cultural e seu contexto geopolítico. No caso das escolas batistas, há ainda outros elementos que contribuem para agravar um pouco mais a situação, que mencionarei no próximo artigo. Relaciono, inicialmente, as principais causas que estariam provocando tal fato e que, em menor ou maior grau, afetam todas as escolas que dependem das mensalidades escolares.
São alguns dos seguintes fatores:
1. A baixa ou quase nenhuma rentabilidade
Educação particular não tem sido mais um bom investimento para pequenos empreendedores, principalmente em regiões de baixo ou médio poder aquisitivo. A rentabilidade do negócio, sem traumas, é de cerca de 10% ao ano. Este eventual lucro pode ser anulado pela inadimplência. As escolas não conseguem impor o valor da mensalidade de que precisam para assegurar seus custos operacionais e ter algum retorno, pois seu público-alvo (classe média) também não tem conseguido arcar com o preço necessário à escola. A pressão por descontos é intensa. Só as grandes redes educacionais ou as grandes escolas conseguem sobreviver, ganhando em escala. Um pouquinho de muitos. Mesmo que as escolas confessionais não tenham finalidade lucrativa, precisam de algum resultado para investir na melhoria de seu patrimônio e no seu desenvolvimento, mas isso é quase impossível para a maioria delas. Algumas escolas funcionam em patrimônio alugado e se obrigam a investir nas reformas do patrimônio que não é seu e que um dia poderá ser requisitado. O já pequeno retorno financeiro da atividade escolar se dissipa ainda mais no pagamento do aluguel e da manutenção do imóvel.
2. O alto custo operacional
Geralmente, a Folha de Pagamento (salários e encargos sociais) de uma escola consome de 60% a 70% de toda a sua receita (quando está em razoável equilíbrio). Quando a escola consome mais de 70% da receita com o custo do pessoal, a situação fica muito preocupante. Além disso, ela precisa arcar também com o custo do consumo de luz, água, telefone, material de escritório e de limpeza, aquisição e manutenção dos equipamentos, aluguel (quando o prédio não é próprio), limpeza, conservação do patrimônio, renovação do mobiliário, marketing etc. O ramo educacional, entre os prestadores de serviços, é o que tem o índice de custo operacional dos mais altos, especialmente com o pessoal. As grandes escolas sofrem e as pequenas não suportam, pois não conseguem repassar esses custos para suas mensalidades. Infelizmente, muitas escolas estão funcionando com déficit operacional. Isto quer dizer que sua operação está sendo financiada por empréstimos bancários, por sua mantenedora que é obrigada a injetar recursos, por receitas não operacionais ou ainda por acumulação de compromissos não pagos, em geral encargos sociais (dívida tributária).
3. Pequena melhoria da escola pública
Em alguns Estados e municípios, as escolas públicas têm obtido maior atenção dos governos e prefeituras e recebido mais investimentos públicos. Tal investimento tem repercutido, ano a ano, embora pequena, mas constante, melhoria na qualidade de muitas dessas escolas. Em alguns municípios brasileiros mais ricos, o cuidado com as instalações, o mobiliário e os equipamentos das escolas públicas, tem melhorado. A remuneração dos docentes de escolas públicas, em algumas regiões, chega a ser o dobro de algumas escolas particulares. O índice que mede o desempenho e a qualidade das escolas de educação básica (IDEB) tem apontado um crescimento, a cada ano, em muitas escolas estaduais e municipais. Ainda há muito que melhorar, mas muitos governos estão no caminho.
4. A legislação desfavorável e os riscos
As exigências da legislação trabalhista e dos sindicatos pesam muito no custo de um colégio privado. As pequenas escolas não conseguem atender adequadamente a todas as demandas legais (federal, estadual e municipal) e a uma série de exigências e normas que lhes são impostas. Os riscos do empreendimento são altos, em função de estar lidando com vidas jovens. A escola vive permanentemente sob a ameaça de processos por danos morais e de pleitos de indenização, sob diversas alegações como: acidentes dentro da escola, situações ligadas à inclusão de portadores de deficiência, constrangimento, atitude inadequada de um empregado, ocorrência de bullying etc., além de passivos trabalhistas que sua atividade tende a gerar, se não tiver extremo cuidado.
5. O alto índice de inadimplência
A legislação que rege as questões de inadimplência no Brasil tem regras diferenciadas e desfavoráveis para as escolas, no tratamento de seus devedores, em comparação a outros fornecedores ou prestadores de serviços. Se o contratante do fornecimento de energia elétrica, água, telefone, gás, planos de saúde etc., por exemplo, para de pagar ao fornecedor, o serviço é interrompido imediatamente. Já na educação, a legislação em vigor há mais de vinte anos, obriga a escola particular a continuar prestando o serviço e tendo despesas com o aluno, mesmo que o seu responsável não esteja cumprindo seu compromisso financeiro. A escola pode até negativar o nome do devedor em serviços de proteção ao crédito e executar sua dívida judicialmente (medidas de pouco resultado), mas não pode deixar de prestar o serviço até o final do ano letivo. Muitos “responsáveis” tiram seus filhos da escola e os transferem para outra, mesmo devendo. A escola é obrigada a fornecer os documentos de transferência e certificados ao devedor. Ainda que compreensível em relação ao aluno, essa legislação tem feito o ramo educacional ser o detentor do maior índice de inadimplência entre os prestadores de serviço. A política que favorece o calote tem fragilizado demasiadamente as finanças dos colégios, faculdades e universidades particulares.
6. A diminuição da clientela
As pequenas escolas estão perdendo alunos, ano a ano, seja porque eles estão se transferindo para escolas maiores, que podem oferecer preços menores, bem como serviços e estrutura melhores, ou porque, principalmente, o número de filhos por casal está diminuindo a cada década. O IBGE prevê que, em 15 anos, a população do Brasil parará de crescer. Em função disso, os governos já programam a diminuição do investimento na Educação Infantil para as próximas décadas. Observamos ainda que muitos bairros, onde estão localizadas muitas escolas, têm se tornado regiões com uma crescente população idosa.
7. Diminuição do idealismo responsável e do espírito cristão e missionário nas escolas
Muitas escolas batistas, focadas na guerra de concorrência, nos compromissos financeiros e nas pressões do mercado, buscando atender mais aos interesses dos pais dos alunos do que a seus princípios, acabam diminuindo sua influência espiritual e evangelística. Nesse aspecto, vão perdendo, pouco a pouco, a bênção de Deus para sua sobrevivência. No caso das escolas ditas cristãs, creio que Deus pode retirar seu compromisso com elas, na medida em que vão perdendo a visão e a missão sobre as quais foram fundadas, preocupando-se mais em ser um negócio do que uma missão. Os dois desafios devem andar juntos: fidelidade à missão cristã e competência pedagógica e administrativa.
8. Endividamento crescente e diminuição do patrimônio
Com uma margem de “lucro” muito pequena, diante da necessidade de investimento básico em manutenção, operacionalização ou atendimento de demandas judiciais, algumas escolas, eventualmente, deixam de recolher compromissos sociais trabalhistas e impostos governamentais, que se acumulam e geram, em pouco tempo, um grande problema. A situação torna-se pior ainda quando esse endividamento tem como credores bancos ou outros agentes financeiros. Para conter o crescimento do endividamento, algumas escolas, de maneira cada vez mais frequente, recorrem à venda de parte do seu patrimônio. Se o patrimônio vendido não tiver utilidade, a venda é aceitável, mas se ele tem potencial de expansão e está bem localizado, é triste. Pior é quando o valor do patrimônio vendido não é aproveitado para investir em melhorias, não extirpa totalmente a dívida e nem gera equilíbrio entre o custo operacional e a receita da instituição; a receita continuará insuficiente para arcar com a estrutura e gerará novos déficits. A dívida voltará a crescer e não haverá mais patrimônio para ser vendido.
9. Direção improvisada
Várias pessoas ascendem à posição de diretores de escolas confessionais, sem uma formação pedagógica ou administrativa específica para a gestão escolar. Alguns têm formação pedagógica, mas não têm habilidade necessária para gerir um ramo tão específico e complexo. Uns são bons pedagogos, mas nem sempre, bons gestores escolares. Outros têm formação administrativa, mas, além de não terem formação pedagógica, são, muitas vezes, oriundos de áreas cujo modelo de gestão tem pouca relação com o educacional. Vários assumem a direção da escola, como interinos, com a ausência de direção, por força de Estatuto (presidentes de Conselhos) e acabam efetivados na direção, sem a formação e o pendor necessários. A história tem provado que a maioria das direções improvisadas não tem sido bem-sucedida. Mais cedo ou mais tarde, as escolas acabam pagando o preço do improviso. Infelizmente, alguns diretores são improvisados porque a denominação mantenedora do colégio confessional nem sempre tem profissionais qualificados disponíveis.
10. Ingerência despreparada e interesses pessoais
Os gestores das escolas confessionais geralmente reclamam do excesso de ingerência e de pressão da liderança denominacional. Sem conhecer profundamente a natureza peculiar da gestão educacional, propõem caminhos e ações que acabam se mostrando prejudiciais à escola. Os membros dos colegiados consultivos dessas escolas devem questionar e cobrar tudo que julguem errado, estranho e ineficiente. No entanto, devem fazê-lo de forma educada, respeitosa e ética. Ainda que a maioria dos membros da mantenedora seja formada de homens e mulheres comprometidos com o bem e o sucesso da instituição, as escolas confessionais são muito afetadas por interesses pessoais de alguns poucos, especialmente nas áreas de seleção de pessoal, prestação de serviços e concessão de benefícios e descontos. Quando esses interesses não são atendidos, os gestores podem ganhar um opositor, um desafeto e até alguém que torcerá e trabalhará contra o gestor.
11. Gestão inadequada
Alguns gestores, infelizmente, podem prolongar-se por muito tempo nos cargos, não por competência, mas pelo aumento de sua influência e de sua base de apoio conseguido por meio de concessões inadequadas de favores (com recursos da escola) às pessoas que poderiam ajudar a reverter uma eventual situação decadente da instituição e não o fazem em função dos favores recebidos. Ao concederem “favores” (empregos para parentes, doações etc.), “granjeiam amigos com riquezas alheias” (Lucas 16.1-9).
Lamentavelmente, tem sido observada, em relatórios de gestão para as assembleias das mantenedoras dos colégios, a omissão de situações e de resultados ruins de gestão. Relatos triunfalistas de uma área do colégio, às vezes, servem de fumaça para ocultar algum sinal de alerta vermelho em outras áreas e na condução da instituição como um todo. Reuniões rápidas e exames superficiais da real situação da escola, feitas pelos colegiados dos conselhos, ignoram o agravamento de alguma situação ou área de gestão da instituição. Muitas vezes, quando a crise está instaurada, surpreendidos, os conselhos gestores constatam que medidas preventivas deveriam ser tomadas e que, às vezes, já é tarde demais para adotar ações que possam reverter os problemas.
12. Gestão séria e profissional não apoiada
Por outro lado, gestores sérios, que agem como bons profissionais e com ética, que resistem às ingerências impróprias, que tomam medidas necessárias, ainda que antipáticas, que não usam seu poder e os recursos do Colégio para angariar apoio político e que querem agir mais técnica e não só politicamente, sofrem mais no desempenho de sua tarefa. Se no processo de gerir corretamente a instituição, apresentam resultados positivos e de reversão da tendência de declínio, contrariando interesses de alguns líderes, esses gestores perdem deles o apoio e, muitas vezes, acabam ganhando desafetos.
Felizmente, a maioria dos membros dos colegiados (conselhos) é formada por pessoas bem-intencionadas e éticas. Estão se esforçando para ajudar a instituição a superar as suas dificuldades e a prosperar. Ainda que muitos dos membros dos colegiados da mantenedora careçam de mais capacitação e atualização administrativa e pedagógica, a maioria é formada de gente ética e dedicada, bons cristãos interessados mais no sucesso e no bem da escola do que no sucesso pessoal e nos bens dela.
Conclusão
Com tristeza, observei os fatores relacionados acontecendo em várias escolas que visitei em nossa denominação e em outras. Mencionei-os, ainda que com algum constrangimento, com o único objetivo de que os conselhos estejam mais atentos às suas responsabilidades no acompanhamento zeloso e criterioso da gestão das escolas.
Diante deste cenário descrito nos artigos que, muito provavelmente, não mudará nos próximos anos, ainda veremos outras escolas confessionais fecharem, falirem ou serem vendidas ou transferidas em troca da dívida. Não é o fim das escolas privadas nem de todas as escolas confessionais.
A necessidade de colégios confessionais cristãos no Brasil não está encerrada. Ainda há espaços e possibilidades para muitos deles. Os sobreviventes ainda poderão dar significativa contribuição para a sociedade, para a sua denominação e para o reino de Deus.
Como os colégios confessionais devem atuar diante desta nova realidade, neste cenário tão desfavorável a eles? Que cuidados devem ter e que ações administrativas e pedagógicas devem adotar para sobreviverem e ainda serem relevantes neste tempo? É o que tentarei apontar em outro texto.
Walmir Vieira
Diretor do CLIC (Centro de Liderança Cristã)
clic.lideranca@gmail.com
clicwv@hotmail.com